O extraordinário que mora no tempo entre dois cafés
Há uma certa magia no intervalo entre o primeiro e o segundo gole de café. É quando a pressa ainda não retomou o corpo, a xícara está quente entre as mãos e a mente vagueia sem direção — como um pássaro que pousou no fio, mas ainda não decidiu voar.
Foi num desses intervalos que reparei na Dona Isaura, dona do pequeno armazém da rua de baixo. Enquanto eu esperava o café esfriar o suficiente para não queimar a língua, ela arrumava maçãs verdes na banca com uma paciência ancestral. Uma por uma, como se estivesse acomodando filhos no colo. Do lado de fora, o mundo continuava: motos aceleravam, celulares tocavam, gente corria. Mas ali, naquele cantinho, o tempo parecia ter combinado uma trégua com Dona Isaura.
Parei para observá-la melhor. Seus dedos, calejados pelo tempo, giravam cada fruta até encontrar o lado mais bonito. Ela as alinhava com um cuidado que quase não se vê mais — um ritual que transformava o trivial em sagrado. De repente, ela ergueu os olhos e me ofereceu um sorriso pequeno, como quem diz: “Também percebeu?”.
E eu percebi. Lembrei da minha avó, que fazia o mesmo com os tomates na feira. “Tudo o que é cuidado com carinho dura mais”, ela dizia, enquanto acomodava os legumes com as mãos sábias de quem conhece o valor da paciência. E talvez ela não estivesse falando só de frutas. Talvez estivesse nos ensinando que a vida se sustenta não nos grandes feitos, mas na arte silenciosa de bem arrumar o que importa.
Enquanto pagava pelas maçãs, Dona Isaura comentou, sem olhar para mim:
— O segredo é não ter pressa, meu bem. A fruta, como a gente, amadurece melhor quando não é apertada demais.
Saí dali com as maçãs na sacola, o café finalmente na temperatura ideal, e o coração cheio de uma verdade simples, porém esquecida: que os gestos miúdos carregam a grandeza invisível que sustenta o mundo. E que, às vezes, tudo o que precisamos fazer é parar — entre um gole e outro — e lembrar que a beleza mora no ordinário, esperando apenas um pouco de atenção para se revelar.
Por Lyu Somah
Que delícia de texto! Tão delicado e ao mesmo tempo profundo. Parabéns. 🙂
ResponderExcluirMuitíssimo obrigado. Fico feliz e agradecido. Gratidão pela visita aqui no meu cantinho 😉
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